terça-feira, 10 de março de 2009

Porque Darwin não descobriu as leis de Mendel?



Robin Marantz Henig (2001). O monge no jardim. Editora Rocco.


Definitivamente a hereditariedade é um conceito que Darwin nunca entendeu corretamente. E não podemos dizer que as tentativas foram poucas. Dois volumes inteiros publicados em 1868 foram dedicados a isso, sob o nome de "A variação dos animais e plantas sob domesticação", além de vários experimentos feitos na sua casa em Down (sua última residência) sobre este mesmo tema.

Praticamente ao mesmo tempo, Gregor Mendel, um monge da Morávia (região central da República Tcheca), desenvolveu um trabalho com ervilhas no jardim de seu mosteiro. Seu trabalho foi lido para a Sociedade de História Natural de Brunn em 1865, mas não teve o que podemos chamar de "sucesso". Em 1884, o considerado atualmente como pai da genética, morreu sozinho e desiludido. Apenas 16 anos depois de sua morte e 35 anos depois da publicação de seu trabalho, o legado de Mendel foi finalmente redescoberto, de forma independente por vários cientistas. Hoje devido a velocidade de publicação e disseminação de artigos científicos via internet, a ideia de que um trabalho científico de tamanha importância como o de Mendel para a teoria da evolução passou despercebido por Darwin é realmente inconcebível. Mas pensando em uma época onde a forma mais comum de disseminação de artigos científicos era a leitura dos mesmos em reuniões de sociedades científicas, podemos compreender melhor este lag. Mas será que Darwin poderia ter descoberto as leis Mendel sobre hereditariedade de forma independente? Em um artigo publicado no periódico Journal of Biology, Jonathan C. Howard discute esta questão. O artigo é aberto, sendo apenas necessário o cadastro no sítio do periódico para baixar o pdf.

Darwin poderia ter sido um mendeliano, mas temos que reconhecer que o monge tinha uma certa vantagem nas ciências exatas. Mendel tinha conhecimentos profundos de matemática, estatística e probabilidade, algo que Darwin não dominava, fato revelado por ele mesmo em sua autobiografia. Mas esta situação não impediu que Darwin tivesse uma grande importância no avanço da estatística.


"Nos três anos que passei em Cambridge, meu tempo foi tão completamente desperdiçado, no que diz respeito aos estudos acadêmicos, quanto em Edimburgo e na escola. Experimentei a matemática (...) mas meus progressos foram lentos. O trabalho me repugnava, principalmente por eu não conseguir perceber nenhum sentido nos primeiros passos de álgebra. Essa impaciência foi uma grande tolice. Em anos posteriores, lamentei não ter seguido adiante, pelo menos o suficiente para compreender um pouco os princípios centrais da matemática, pois os homens assim dotados parecem ter um sentido a mais. Entretanto, não creio que conseguisse ultrapassar um grau muito baixo."
Charles Darwin. Autobiografia. Página 50.


Mesmo assim, o jardim de Down era muito utilizado para experimentos de todo o tipo, com características bem semelhantes do jardim utilizado por Mendel. Desta forma, outro fatores pesaram mais para que Darwin não tivesse fechado de forma mais coerente os aspectos relacionados a herança. A certeza de que a teoria da pangênese estava correta era uma delas. Darwin era um fã incondicional da "Hipótese provisória da pangênese", teoria de aspectos lamarckistas onde todas as características de um organismos estariam representadas em "gêmulas". Estas seriam modificadas ao longo da vida e posteriormente misturadas durante a reprodução sexuada. A pangênese era bem aceita na época e não foi questionada pelos evolucionistas até então.

Mesmo realizando vários experimentos onde conclusões poderiam ser obtidas em direção as leis mendelianas, Darwin nunca chegou perto de questionar a hipótese da pangênese. Como Jonathan Howard descreveu no seu artigo "(...) se Darwin falhou em descobrir as leis de Mendel, não foi porque ele carecia de genialidade ou talentos matemáticos ou mentalidade experimental, mas particularmente por causa da forte tendência do que ele já possuía". Charles Darwin não chegou a uma conclusão correta sobre o mecanismo chave da teoria da evolução por estar plenamente convencido de que a pangênese era a hipótese mais correta.


"Tanto como é me dado julgar, não tenho a tendência de seguir cegamente a opinião de outros homens. Tenho feito um esforço sistemático de manter minha mente livre, de modo a abandonar qualquer hipótese , por mais amada que seja (...), tão logo os fatos revelem opor-se a elas. (...) não sou muito cético, mentalidade que creio ser prejudicial ao progresso da ciência; para evitar perda de tempo, um cientista deve ter boa dose de ceticismo. Porém, conheci muitos homens que foram impedidos pelo ceticismo de fazerem experimentos ou observações que poderiam ter-se revelado úteis, direta ou indiretamente."

Charles Darwin. Autobiografia. Páginas 123-124.



Talvez se Darwin estivesse aberto a outros aspectos e fosse menos dogmático em relação a pangênese, ele pudesse ter descoberto as leis de mendel. Será que faltou um pouco mais de ceticismo a Darwin?


Referências:

Charles Darwin (2000). Autobiografia 1809-1882. Editora Contraponto.
Jonathan C Howard (2009). Why didn't Darwin discover Mendel's laws? Journal of Biology, 8:15.

Leia os posts de outros blogs que comentaram o artigo:
Greg Laden´s Blog
Origins

7 comentários:

  1. Sofro do mesmo problema de Darwin. Simplesmente sou incapaz de trabalhar com números.

    No polegarcast sobre Darwin chegamos a comentar (e eu já não lembro mais se foi pra edição que foi ao ar no blog) que Darwin chegou até a trabalhar com ervilhas e tal.

    E depois ainda tem gente que tem coragem de dizer que Darwin era estúpido... Por pouco o homem, sozinho, não revoluciona a biologia 2 vezes.

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  2. Realmente foi por muito pouco Thiago.

    O autor do artigo que eu citei no post mostra que Darwin chegou a comentar sobre um resultado de cruzamento de plantas que chegava muito próximo a razão mendeliana. Pena que Darwin não citou a fonte dos dados, mas esta informação ficou marcada como um "chute na trave" no conhecimento sobre hereditariedade.

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  3. ...me pergunto: Porque Darwin teria que ter descoberto as leis de Mendel?? ..porque esse questionamento? ..seria um anseio de que seu legado fosse hoje aceito mais amplamente, acima das crenças religiosas dos ocidentais?? ..acho legal a argumentação, estudar o homem, para entender seu legado... ..mas questiono este aspecto de atribuições do que teria acontecido... Imegine ensinar Darwin também em aulas de genética básica nas universidades... imagine também, se o Paraguai tivesse ganhado a guerra contra a tríplice aliança (Brasil-Uruguai-Argentina)... uma especulação muito interessante, mas válido até que ponto? ..para traçar uma realidade alternativa?? ...enfim, são só subjeções minhas.

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  4. Fala Alex, obrigado pela visita.

    Acho que a questão não está em que "Darwin teria que ter descoberto as leis de Mendel", muito menos em "traçar uma realidade alternativa". Discuti em um post sobre o detalhe histórico de que Darwin não embarcou no Beagle como naturalista, mas sim como "acompanhante" do Capitão Fitzroy. Isso foi uma grande descoberta? Teve algum significado revolucionário? Não...mas não deixa de ser uma peculiaridade histórica muito interessante.

    No caso das leis de Mendel acho bem relevante que Darwin muitas vezes chegou perto de entender a hereditariedade, mas não conseguiu. Mostra o quanto avançado o seu pensamento era para a época e nos trás uma ideia de como é interessante acompanhar a formação do pensamento científico. O ponto é que consideramos ele tão bom que ele quase descobriu outra coisa muito relevante. Não achamos que ele era "burro" e por isso não conseguiu entender a hereditariedade. Quando eu li a autobiografia de Darwin gostei muito da parte onde ele conta como começou a estudar plantas carnívoras. Ele passava várias horas por dia em um parque, admirando a paisagem. Certo dia viu um inseto pousar perto de uma planta peculiar e reparou ele acabou caindo em dentro de uma espécie de "cesto" da planta. Isso deixou Darwin intrigado. A partir daí ele começou a fazer experimentos e acabou escrevendo um livro inteiro sobre o tema.

    Tenho certeza que discutir os motivos e consequências de porque Darwin nunca chegou perto de entender a hereditariedade é algo relevante. Faz parte da história de ciência e nos mostra como o pensamento científico é formado. Eu pelo menos sempre me perguntei porque Darwin nunca chegou a pensar algo além da pangênese. Acho que agora sabemos um pouco mais sobre isso.

    Voltando ao argumento inicial. O artigo fala sobre aspectos históricos, elucidando temas que antes não eram abordados. Especular sobre como teria sido o desdobramento de um fato como aquele é algo que não deixa de ser curioso, como o Thiago apontou. Mas a discussão do artigo não é baseada apenas nisso. Se você não leu ainda, vale muito apena.

    Abraços.

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  5. Olá Luiz, ..eu fiz perguntas que passariam pela cabeça de um leigo. E questionei o artigo desta forma justamente por não ter lido ainda. .. Mas como mencionei, estudar o homem para entender seu legado é o que acho relevante, não tanto as especulações que a gente faz ao descobrir por exemplo, que Darwin QUASE chegou às leis de Mendel. ...Até vejo que estas especulações são ótimas para traçar cenários que possam levar o grande público a um melhor entendimeno deste legado sobre a evolução das espécies, através do entendimento de o que levou o autor a chegar a isto ou aquilo, ou mesmo o que o levou a NÃO chegar a outras coisas.

    Ao ler teu post, extrapolei a idéia de um filme com a história de Darwin, o homem por tráz da evolução... ...e como eu disse, ainda dentro das minhas extrapolações mentais, "o que teria acontecido se o Paraguai tivesse ganho a gerra?" ..eu, sendo gaúcho, hoje provavelmente seria Paraguaio e falaria Tupy-Guarany?!.

    Se Darwin tivesse descoberto tais leis, será que a genética e a evolução hoje seriam campos mais avançados ainda? Será que as limitações de Darwin sendo mostradas, o tornariam mais próximo das pessoas, e incentivariam jovens pesquisadores a se tornarem novos Darwins? .. Para quem entende minimamente do assunto, isso certamente é relevante e acho que faz parte do pensamento cético/científico, mas e para o público e alunos??? .. Estes, entenderiam tal curso de pensamento? .. Abraçariam com mais facilidade, ou rechaçariam com mais veemencia?? ...são só conjecturas que faço, me colocando no meio da grande massa, a quem isso é desconhecido. ..acho o exercício válido.

    Certa vez, em uma roda de bate-papo entre biólogos, soltei uma assertiva que me fez quase virar um anti-cristo: "os pandas tem mais é que morrer" .. Hoje, eu mudaria para ursos polares. .. .. o que quero dizer é que, o que vale é o desdobrar da idéia e a correlação desta com o pensamento de quem recebe a informação (publico leigo), e nem tanto a informação em si e a relevancia que ela tem ou deixa de ter ao nicho que a cultua.

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  6. Fala Alex,

    Concordo com a sua argumentação. Mas não entendo como alunos poderiam "rechaçar com mais veemencia". Rechaçar a teoria da evolução? Achar que Darwin foi menos importante para a ciência porque não conseguiu chegar em um ponto que outro pesquisador alcançou? Acho que temos o dever de mostrar ao público que cientistas não são super heróis. Entender isso faz parte da divulgação científica. Aproximar o público leigo dos cientistas. Estamos longe de ser donos da verdade. O artigo ressalta que existe uma corrente que acha que Darwin era apenas um bom experimentador. O autor do artigo mostra que não era bem assim.

    Concordo com você quanto aos pandas e os ursos polares. Estendo para mico leão dourado. Existem grupos de organismos muito mais importantes em termos ecossistêmicos, mas que não são bonitinhos. Pelo menos para o público leigo. Ainda postarei sobre isso.

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  7. ..Luiz, desculpe colocar alunos de ciencias no mesmo nivel de público geral, mas pelas minhas observações (opinião pessoal), a maioria sai da faculdade tão ignorante quanto entrou. É claro que algum conhecimento levam, mas as bases de seu pensamento continuam ressequidas de força para argumentar e detalhar o que lhes ensinaram (que deveria ser apreendido por conta própria, e não apenas repassado)... vejo/vi gente que sequer consegue algo além de repassar uma parca noção do que "decorou" em salas de aula (inclusive tive professores, com mestrado e tudo, deste jeito)... Por isso, coloquei alunos e publico geral no mesmo nível. ...Tudo que eu queria, é que o governo inserisse ao curriculo do ensino fundamental/secundário, Filosofia, Sociologia, Ensino de Lógica... Quem sabe assim, ao chegarem na universidade realmente fosse possível ensinar ciencia de verdade, e não ter que contar com a sorte de a hereditariedade e a seleção natural terem presenteado alguns alunos apenas... ..sei que isso é outra discussão, mas creio que tem relevancia aqui também.

    Aguardarei o post sobre os de ante-mão extintos bichinhos fofinhos...

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