quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ferro + algas = mitigação do aquecimento global. Ou não?



Navio alemão utilizado para fertilizar o oceano. Fonte: NatureNews


Bem, como o Breno ressaltou no post anterior, a ecologia não é tão direta como a matemática. Nem sempre 2+2=4. Na verdade, muitas vezes 2+2=5 e, depois de alguns meses ou em um outro ambiente, 2+2=3.

Essa semana um navio alemão zarpou em direção a Antártica. Ele não estava carregado com sal, alimentos ou qualquer outro tipo de carga usual. Ele na verdade estava carregado com 20 toneladas de ferro. Quer dizer, ainda está carregado, mas por pouco tempo. O objetivo do grupo de 50 cientistas de várias partes do mundo é descarregar todo este ferro em pleno oceano, em busca da indução de um bloom algal. Além de estimular a produtividade primária desta porção de água normalmente limitada por ferro, os cientistas pretendem acompanhar todo o processo em várias escalas, como: biologia marinha, fluxo de carbono, diversidade biológica, dentre outras.

Esta saída de campo tem um carácter um pouco diferente de outras tentativas de fertilizar o oceano pretéritas. O foco desta pesquisa está exatamente em acompanhar as consequências da fertilização, não só em termos de fixação de carbono, como pensando na cadeia trófica como um todo. Mesmo assim o navio alemão tem causado uma grande discussão na mídia científica gringa. Isso porque as tentativas anteriores visavam apenas a fertilização em si em busca dos preciosos créditos de carbono, principalmente financiadas por empresas que em nenhum momento se preocupavam com a alteração marcante na cadeia trófica marinha que elas estavam causando.

Vamos tentar entender o problema. Pensando como um empresário:

As mudanças climáticas são um problema gigantesco para o planeta Temos muitas algas nos oceanos que são limitadas por ferro. Ferro é um mineral relativamente barato. Então vamos pegar um navio cargueiro e jogar ferro no oceano! Assim além de salvar o planeta ainda vamos vender muitos créditos de carbono e ficar milionários!

E agora pensando como um ecólogo:

O aquecimento global é um fenômeno que tem se mostrado cada vez mais real pelas pesquisas cientificas e pode trazer conquências para a vida humana na terra. As algas nos oceanos são limitadas por ferro, mas podem também ser limitadas por outros nutrientes, principalmente com ferro em excesso. Além disso, blooms de algas tem se mostrado no mundo todo como fenômenos imprevisíveis e que podem muitas vezes ser dominados por algas tóxicas. Outro problema está na decomposição por microrganismos do fundo do oceano de toda esta nova biomassa gerada, o que pode diminuir a oxigenação do fundo e ao mesmo tempo liberar grande parte do carbono fixado pelas algas. Isso sem contar em alterações na teia trófica que um input tão grande de nutrientes pode causar.


Podemos ver então onde o problema se concentra. Pelo que eu li, os cientistas desta pesquisa recente estão muito cientes do problema e, na veradade, querem entender as consequências reais da fertilização do oceano por ferro. Assim poderemos no futuro entender se este processo pode ser feito em larga escala em nossos oceanos ou se ele pode trazer mais problemas do que vantagens em termos ecossistêmicos.

Mais uma vez gostaria de ressaltar o que a histeria quanto ao aquecimento global pode causar. Empresas pilantras como as que tentaram fertilizar os oceanos com ferro sem nenhuma base científica foram estimuladas pela geração "Al Gore", geração "verde". Espero que a pesquisa na antártica tenha resultados científicos relevantes, para entendermos um pouco mais como lidar com a natureza. Bem diferente de tratar a complexidade de ecossistemas como uma equação matemática simples, como muitos engenheiros fazem.

Para ler mais sobre esta iniciativa e sobre fertilização do oceano, leia o artigo da NatureNews e da NewScientist.

Para ler outros posts sobre aquecimento global, clique aqui.


UPDATE - 15/01/09 13:50


Segundo o NatureNews, o experimento citado no post foi suspenso. O ministro das ciências da Alemanha pediu para o grupo de pesquisadores responsável pela pesquisa providenciar um novo estudo de impacto ambiental. Ulrich Bathmann, oceanógrafo e um dos responsáveis pelo experimento disse que "É lastimável que o LOHAFEX (codinome do experimento) seja comparado de forma indiferenciada com atividades industriais poluidoras, as quais não tem absolutamente nada em comum."

Mais uma vez os ambientalistas conseguiram. Através de força política e comoção da opinião pública eles suspenderam um projeto de pesquisa sério. Parabéns.


2 comentários:

  1. Olá Luiz. Primeiramente, parabéns pela iniciativa do blogue, e pelo blogue propriamente dito.
    Entendo o seu descontentamento com a exigência de novos estudos de impacto ambiental para a realização desse experimento LOHAFEX.

    Não sei onde você vive. Eu nasci e cresci em Belo Horizonte, num dos vértices disso a que chamam "Quadrilátero Ferrífero" (O mercado internacional chama de "Southern System"). É muito bonito. As montanhas de ferro são esponjas de água: quando chove, as águas vão sendo absorvidas por esse monte de ferro - são as áreas de recarga. É dessa água que eu e todas as pessoas e demais seres da região bebemos. Além disso, nos topos das infinitas maravilhosas serras que há por aqui, existe um tipo de afloramento rochoso ferrífero sobre o qual vicejam comunidades biológicas peculiares a que chamam as "cangas" (procure trabalhos de Claudia Jacob e Flavio Fonseca do Carmo sobre o assunto, boa parte com enfoque em Ecologia Vegetal). A Vale vende a tonelada métrica seca do ferro usurpado desses locais a menos de 2 mil dólares - preço de antes da crise econômica mundial. (O ferro tirado de Carajás, de cangas no meio da Floresta Amazônica, é ainda um pouco mais barato, ou mais de graça). Você mesmo disse, pensando como um empresário, "ferro é um metal relativemente barato". Pensando como um organismo que nasceu aqui, eu digo, ferro é um metal relativamente de graça para quem ganha dinheiro com ele, e relativamente impagável para quem vive dos processos ecológicos do qual esse componente abiótico, o ferro, é parte inextricável, essencial.
    Quanto desses dólares voltam para cá, na forma de compensações pela devastação que faz o nosso relevo lembrar uma paisagem de outro planeta, faz nossa água sumir (e a que sobra, ser insalubre), que mata irremediavelmente? Não sei. Só sei que, se volta, é pouco demais, e o que é feito com esse pouco é totalmente ineficiente.
    Jogar 20 toneladas de ferro no oceano? Ferro de onde?
    E se o experimento "der certo", vão passar a transportar nosso hábitat, nossa casa, nossas montanhas, direto para o fundo do mar? Para compensar as ações irresponsáveis de uma meia dúzia que enche os bolsos com cifras astronômicas? Para justificar essas ações? Quem é que vai pôr a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo depois disso tudo?
    Pesquisa efetiva deve investigar novas maneiras de fazermos as coisas, de satisfazermos nossas necessidades, com os menores impactos possíveis.
    Sujar, matar, aniquilar irreversivelmente uma montanha e jogá-la no mar - bela solução.
    Pergunto: cadê a tão propalada inteligência superior, acima de tudo e de todos, que para alguns é suficiente para nos "retirar", os humanos, do mundo natural?
    Repito: sujar, aniquilar irreversilvelmente montanhas e jogá-las no mar - bela solução (ou tentativa).

    Atenciosamente,

    Vinicius Cerqueira
    biocerqueira@gmail.com

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  2. Fala Vinícius, muito obrigado pela visita e pelos elogios. Sempre sinto falta de uma boa discussão.

    Em relação ao post e ao seu comentário, eu basicamente concordo com você. Só acho devemos pensar de forma mais prática em relação a este assunto. A fertilização com ferro do oceano não é uma ideia nova. Ela foi muito defendida, até por ambientalistas famosos, em teoria. O problema é que ela começou a ser praticada de forma indiscriminada, principalmente por grandes empresas em busca de créditos de carbono. Desta forma, muito mais do que 20 toneladas de ferro já foram jogadas no oceano, sem nenhum estudo dos seus efeitos. Isto é uma atitude irracional e que deve ser coibida.

    O LOHAFEX nasceu com a ideia de se estudar cada etapa deste processo. Não para buscar créditos de carbono ou ter algum retorno financeiro. Foi uma iniciativa científica. Como qualquer tentativa de biorremediação ela tem custos e benefícios. Biocombustíveis são considerados vilões por muitos cientistas sérios (e eu ainda postarei sobre isso), mas atualmente é a menina dos olhos de grande parte dos ambientalistas.

    Como você disse "Pesquisa efetiva deve investigar novas maneiras de fazermos as coisas, de satisfazermos nossas necessidades, com os menores impactos possíveis". Concordo plenamente. E este é o objetivo do LOHAFEX. Conhecer as consequências do processo e ver realmente se ele pode ser aplicado de forma segura nos oceanos. Crime mesmo é fazer isso (como estão fazendo) sem nenhum estudo prévio. Não há como entender realmente a dinâmica da teia trófica marinha com um estudo em uma piscina. Em ecologia precisamos fazer estudos de ecossistemas inteiros, como fazem há mais de 20 anos em centenas de lagos no Canadá e nos EUA. A natureza é muito complexa para achar que podemos transportar experimentos em microescala para uma escala ecossistêmica.

    Abraços e obrigado novamente pela visita.

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