terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Lenhadores da árvore da vida


Capa mais do que sensacionalista do tipo "Mordemos na capa e assopramos no artigo"



O título deste post é como a revista de divulgação científica americana NewScientist chamou os cientistas que trabalham com biologia evolutiva atualmente. Pela capa acima, nós esperamos um artigo revolucionário mostrando novos estudos que podem apresentar um novo caminho na teoria da evolução, novos mecanismos, novas ideias....bem, a esperança acaba por aí. Além de dar muito pano para a manga de criacionistas e os chamados "pós-darwinistas" (nunca entendi essa expressão), o artigo da NewScientist não trás nada denovo de novo.

Antes de começar a falar, ainda no editorial, a revista começa a pegar leve. Fala que a teoria darwiniana foi sim uma revolução, mas que eles esperam por outra revolução nos próximos anos, que ainda vamos comemorar o aniversário de 300 anos de Darwin, que nada que os estudos novos tragam vai diminuir o trabalho original, etc, etc. Além disso, ainda ressaltam que nada do que for trazido pela reportagem deve dar apoio aos criacionistas. Até parece que depois de uma capa dessa eles precisam falar alguma coisa. Já viraram hit nos sítios do ID. Na reportagem principal em si eles fazem apenas uma recapitulação de tudo que já vem sendo falado desde a década de 70 por Carl Woese.

A árvore desenhada por Charles Darwin em seu caderno de anotações B é um de seus principais pilares para a teoria da evolução. Esta árvore teria como base um ancestral comum, de onde toda a vida que existiu ou ainda existe no planeta teria derivado.



Árvore desenhada por Darwin. O número 1 seria o ancestral comum.


Já em 1998, mais de dez anos atrás, Woese publicou um artigo na PNAS em que ele defendia a ausência de um ancestral comum. Mas, como o seu artigo da década de 70 sobre os domínios da vida, ninguém deu muita bola. Porque ele defendia isso? Por causa da famigerada transferência horizontal, ora! Se os microorganismos trocam promiscuamente genes sem esses serem submetidos ao processo de seleção natural, não há motivo para termos um único ancestral comum. Então a árvore da vida estaria muito mais para uma "teia da vida" do que para uma árvore. Será que isso lembra alguma coisa? Antigamente usava-se muito o termo "cadeia alimentar". Mas hoje sabemos que a cadeia (que da a idéia de algo unilateral) está muito mais para uma teia. Por isso o termo "teia alimentar".



Teia trófica de um pinheiro, com os seus herbívoros, parasitas e parasitóides. Imagina de uma floresta inteira. Fonte: Canadian Forest Service


O artigo da NewScientist faz grande parte do seu estardalhaço nos artigos que estão saindo em periódicos mostrando transferência horizontal em organismos multicelulares, que já foram citados aqui no blog. Mostram até exemplos mais bizarros, como o genoma de uma vaca que tem pedaços de DNA de uma espécie de cobra que poderiam ter sido transferidos horizontalmente há mais de 50 milhões de anos atrás. Mesmo com todos esses exemplos, eles ainda ressaltam que vários autores ainda divergem sobre o assunto, defendendo que grande parte da diversidade pode ainda ser explicada por seleção natural e que a transferência horizontal é importante, mas não acabaria com a evolução darwiniana.

Polêmica ou não, acho que a discussão veio para ficar. Discordo um pouco de como o assunto foi colocado pela NewScientist. Na verdade, lendo o artigo, vemos que a capa deles foi muito mais para vender revista do que a tradução do conteúdo em si. A frase "lenhadores da árvore da vida" foi muito infeliz, pois passa a ideia que a ciência é construída através da desconstrução de teorias e conceitos anteriores. O conceito de evolução de Darwin foi construído no ombro de gigantes como Erasmus Darwin, Lamarck e Wallace. Desta forma, ainda acho que falaremos muito deles nos próximos séculos.

6 comentários:

  1. Boas!

    Estou de acordo com vocês. O titulo é sensacionalista e é digno de uma campanha de marketing criacionista, não de uma revista cientifica. Enfim, eles tem de vender.

    Darwin podia estar errado acerca de muitas coisas, mas a questão é que tudo o que se tem descoberto são mais afinações da teoria do que refutações.

    O Darwinismo, provavelmente, na sua essencia, nunca será deposto. Porque o que diz é que a evolução existe. Mesmo que evolução às vezes signifique retrocesso, ou estagnação. Mesmo que haja transferencia horizontal em organismos "superiores", mesmo que em vez de um antepassado comun, haja uma população original comun, com um grau de variedade entre si impensavel nas especies e familias actuais. Sabemos que tal aconteceu com grande significado pelo menos por causa das mitocondrias. Como era quando a reprodução e evolução dizia respeito apenas a moleculas pré-bioticas? Ou nos primeiros esboços do RNA (que se pensa precede o DNA temporalmente)?

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  2. "Mesmo que evolução às vezes signifique retrocesso, ou estagnação"

    Ok, ja estou a ver as críticas... Sem entrar em pormenores: Tais fenomenos não contradizem a teoria se os mecanismos de evolução, tais como a selecção natural sofrerem em determinado local e idade, um retrocesso ou uma paragem. Mais importante ainda é que a evolução continua noutro sitio qualquer.

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  3. Muito obrigado pelo complemento ao post joão.

    Concordo plenamente. Dificilmente o "hard core" da teoria darwiniana será completamente deposto. Ainda mais o seu significado histórico. Tenho certeza que os meus livros: Autobiografia do Darwin, Origem das espécies, Bico do tentilhão, Ampla discussão, Darwin e os enigmas da vida, Sorriso do Flamingo, Polegar do Panga, Lance de dados... devem ser muito bem cuidados. Pois os meus tataranetos ainda beberão nesta fonte.

    Abraços e muito obrigado pela sua visita.

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  4. Aindavão descobrir que esses casos de transferência horizontal são, na verdade, contaminações ocorridas na hora de fazer o sequenciamento. Guarde isso.

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  5. Só mais uma coisa. Lembro que, como Gould dizia, "Estamos na Idade das Bactérias". Então mesmo se a transferência horizontal for um processo predominantemente microbiano, não deixemos de lado sua importância evolutiva.

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