sábado, 4 de outubro de 2008

Morte celular programada em seres unicelulares

A primeira coisa que vem na minha cabeça quando eu penso no título deste post é "Para que?". Se o organismo em questão é unicelular por que ele seguiria um mecanismo de morte celular programada? Seria um suicídio programado ?

A apoptose é o processo de morte celular programada em organismos multicelulares, sendo um componente importante do seu desenvolvimento e até da sua saúde. Este mecanismo tem grande influência no desenvolvimento de tecidos em plantas e animais e em problemas de saúde como o cancer. Estes temas são muito estudados pela comunidade científica, o que é demostrado pela existência de uma sociedade internacional e de periódicos científicos específicos sobre apoptose. No caso de organismos multicelulares, a morte celular programada tende a ser mais compreensível (mesmo havendo ainda muito estudo a ser feito). Mas porque um mecanismo parecido ocorre a bilhões de anos em organismos unicelulares?

"Eu nunca vi nada parecido. Elas dissolveram durante a noite"

Paul Falkowski,
comentando sobre microalgas que ele deixara no laboratório em frascos de cultura na noite anterior

Na verdade, este grande mistério está mais perto de ser resolvido. Em um artigo de maio deste ano na revista nature, Nick lake nos conta que os principais mecanismos responsáveis pelo início do processo de morte programada em algas eucarióticas está ligado a radiação ultravioleta, limitação por dióxido de carbono, deficiência de ferro e infecções virais. Todos fatores ligados ao estresse destes organismos. Blooms de microalgas podem gerar este estresse (muitas algas respirando e se reproduzindo causam um deficit de luz, oxigênio e dióxido de carbono), liberando determinados compostos que funcionam como um gatilho ao processo de "suicídio celular". Mas o que as algas ganhariam com a sua morte? Haveria algum ganho para a população de forma geral?



Fonte: Nature


A resposta está na relação destas algas com vírus. Vírus são muito abundantes em oceanos e ambientes aquáticos em geral e as microalgas são seus alvos recorrentes. Para os vírus, a morte progamada das algas seria muito ruim, já que eles precisam delas para se reproduzir. Para uma população de algas, a morte de alguns indivíduos dentre milhões seria mais vantajoso. Desta forma, o mecanismo de morte programada mataria apenas as algas infectadas, impedindo a proliferação dos vírus. Pensando em termos evolutivos, temos uma verdadeira corrida armamentista entre microalgas e vírus, em busca de um maior sucesso reprodutivo. Vírus podem "desligar" este mecanismo, evitando assim a morte programada das algas.

A morte programada de organismos unicelulares não seria um "suicídio celular", mas sim um assassinato de alguns indivíduos em prol de toda uma população. Com certeza, a fronteira tão demarcada entre altruísmo e egoísmo defendida por Dawkins, pode apresentar-se um pouco borrada quando pensamos neste exemplo dado pelas microalgas marinhas.

Referências

Lane, N. (2008). Origins of death. Nature: 453: 583-585.


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Interação entre insetos (besouros) e microorganismos (fungos)

A diversidade global de insetos é gigantesca. Atualmente, por volta de 950 mil espécies de insetos são descritas na literatura. Sendo que um terço das espécies de insetos são da ordem coleoptera (isto é, mais de 300 mil espécies são besouros!). Eu tinha um professor de zoologia que dizia assim: Se Deus fosse um animal, ele seria um besouro! Acredita-se que existam de 5 a 8 milhões de espécies de besouro.



Entretanto, Jarrod Scott (e colaboradores) argumentam que isto é só a ponta do iceberg da diversidade. Em seu trabalho na revista Science intitulado “Bacterial Protection of Beetle-Fungus Mutualism”, Scott observou que a espécie Dendroctonus frontalis utiliza-se de uma espécie de bactéria para proteger os fungos de que se alimenta de outra espécie fungo competidora.

Dendroctonus frontalis carrega em consigo uma espécie de fungo chamada Entomocorticium sp. A, e ao depositar suas larvas em galerias junto ao floema de pinheiros, estes inoculam o fungo para servir como fonte de alimentos para suas larvas. Porém, o sucesso dessa interação mutualística é posto em xeque por outra espécie de fungo (Ophiostoma minus). Esta espécie compete com a espécie de fungo usada como fonte alimentar pelas larvas do besouro.

Só que nosso amigo besouro possui uma carta na manga. Um outro tipo de fungo não identificado participa da interação, só que este libera substâncias com poder antibiótico que impede o crescimento do Ophiostoma minus. Esta fungo é depositado também na galeria onde o besouro deposita suas larvas juntas com o fungo que é usado com alimento.

Os pesquisadores, que não são nada bobos, isolaram a substância e deram o nome de micangimicina (em homemnagam ao compartimento do besouro que a abriga, o micângio).

Mais uma vez, isso nos mostra o quanto temos que pesquisar para entendermos uma pequena parte do nosso mundo. A bioprospecção é uma corrente importantíssima (e bastante rentável) na biologia. É só imaginar quantas milhões de vidas ela já salvou.

Como diz minha avó: - Os engenheiros fazem nossas casas, pontes e outras coisas, e vocês biólogos? O que fazem? Bem, só pelo simples fato de ela perguntar isso, indica que algum biólogo teve participação. Ou ela não teria acabado de completar 85 anos, já que teria morrido por algum tipo de infecção na juventude. Não estou crucificando a velhinha (rs), mas ela é só um exemplo de como as pessoas ainda não entendem o trabalho dos biólogos. E muito disso é culpa nossa, pois ao ficarmos isolados nas nossas torres do saber (vulgo universidade) e não investir na divulgação do que pesquisamos, nos afastamos de quem diretamente (mas sem saber) pagam nossas bolsas. Fica aí um desabafo.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O outro lado do aquecimento global






Garanta a sua na banca mais próxima, ao invés de perder tempo com essa e aquela revista que publica artigos sem nenhum embasamento no tema. Diretamente do blog oficial deste grande periódico científico.

O mistério das turbinas eólicas matando morcegos

A energia eólica tem sido anunciada como uma das melhores e mais promissoras alternativas ao petróleo. Entretanto, um mistério zoológico rondava as turbinas eólicas. Sabia-se que alguns pássaros se chocavam com as hélices e morriam, entretanto um número maior de morcegos estava sendo encontrado aos pés dessas pás. Era de se esperar que os morcegos, por apresentarem um sonar, e assim capacidade de detectar objetos em movimento, estivessem “imunes” a essas pás. O que estava acontecendo?




Erin Baerwald (estudante de mestrado da Universidade Calgari) desenvolveu sua dissertação tentando desvendar este mistério. Ela observou que os morcegos coletados num parque eólico não apresentavam feridas externas, tipicamente encontradas nos pássaros encontrados no mesmo local. Ao dissecar os morcegos, observou que os mesmo apresentavam hemorragia interna. Esses traumas indicavam uma queda rápida de na pressão do ar, rompendo os vasos sanguíneos localizados nos pulmões. Ao girar, as pás cortam o ar e formam zonas de baixa pressão no seu entorno. Deste modo, os morcegos que voarem perto destas pás entrarão numa zona de baixa pressão, podendo ocorrer assim o barotrauma.


Diferente dos morcegos, os pássaros apresentam pulmões mais rígidos que os dos mamíferos, protegendo as aves desta queda repentina de pressão. Esta pesquisa é de grande importância ecológica, pois deverá ser levada em consideração na decisão do local de construção destes parques. Imagino a carnificina que seria a construção de um parque deste perto de alguma reserva natural.

Bolhas de metano no ártico podem acelerar o aquecimento global?

A revista Nature desta semana (publicada hoje) discute uma notícia que deixaria qualquer ambientalista de cabelo em pé. Em uma nova expedição ao ártico, um grupo de cientistas britânicos confirmou a descoberta de áreas do ártico que apresentam grande quantidade de gás metano em forma de bolhas. O mesmo relato foi feito por cientistas russos no mês de agosto, notícia que teve grande cobertura até na imprensa brasileira.



Navio britânico em expedição no ártico. Fonte: nature


Tendo a molécula de metano (CH4) um potencial estufa 20 vezes maior que a de gás carbônico (CO2), previsões alarmistas de que esta descoberta pudesse acelerar ainda mais o aquecimento global foram recorrentes na grande mídia. Hans-Wolfgang Hubberten, especialista em permafrost (tipo característico de solo congelado desta região), afirmou que "O risco é real (...) mas não há razão para pânico".

A idéia é que todo este metano acumulado abaixo da camada de gelo no ártico poderia ser liberado pela atmosfera. Este argumento segue a premissa de que grande parte do gelo desta área está ficando mais fino, devido ao aumento da temperatura do globo terrestre. Sendo assim, teríamos um efeito de "feed-back" positivo para o aquecimento global. Quanto maior o aumento da temperatura, menor a espessura do gelo do ártico, maior a emissão de metano, maior aumento da temperatura...As amostras coletadas pelos cientistas britânicos devem ser analisadas agora em laboratórios de isótopos para determinar a origem do gás metano. Esta etapa é importante e, como foi levantado por Hubberten, grande parte deste metano pode ser "novo". Este seria produzido por bactérias metanogênicas (microorganismos que reduzem CO2 para obtenção de energia, liberando metano), não tendo a origem antiga defendida por trabalhos anteriores.

A concentração de metano na atmosfera terrestre aumentou muito em 2007 (de 7,5 para 1.800 partes por bilhão), em contraste com o aumento quase nulo de 1999 até 2006. Este aumento provavelmente tem grande influência de regiões como o ártico e os trópicos, defasadas em estudos sobre emissão de gases estufa. Como eu disse no início do post, vamos deixar o desespero para os ambientalistas. Estudos sérios estão sendo conduzidos e muito em relação a este assunto ainda será discutido.

PS.: No site da revista Nature, comentaram que algumas bactérias "consomem" metano e que estas poderiam "sugar" parte destas bolhas, evitando que elas sejam lançadas na atmosfera. A idéia está certa, mas o argumento é falso. As bactérias metanotróficas oxidam o metano dissolvido na coluna d´água ou no sedimento (não em forma de bolhas), liberando gás carbônio. Este processo teria um efeito menor para o aquecimento global do que se fosse liberado metano diretamente para a atmosfera, já que o CO2 tem um potencial estufa 20 vezes menor que o CH4. Mas dependendo da pressão hidrostática e da concentração de metano dissolvida, a principal forma do metano na água é em bolhas, que tem um caminho para a atmosfera "protegido" da oxidação por bactérias metanotróficas. Então o "consumo" de metano nesta região do ártico onde há uma grande concentração deste gás em forma de bolhas seria mínimo.

Referências:

Schiermeier, Q. (2008). Fears surface over methane leaks. Nature: 455, 572-573

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A genealidade de Charles Darwin - Documentário narrado por Richard Dawkins

Gostaria de indicar um documentário dividido de 3 partes exibido pelo canal britânico "Channel 4" em agosto desse ano (do outro lado do Atlântico, lógico), chamado "The Genius of Charles Darwin". Ele é narrado pelo biólogo Richard Dawkins, famoso por grandes livros como Gene egoísta e Relojoeiro cego e, mas recentemente, pelo polêmico livro Deus, um delírio. Esta iniciativa deve se juntar a muitas outras no centésimo qüinquagésimo aniversário da publicação de um dos mais importantes livros não só das ciências biológicas, mas de toda a história, o grande Origem das espécies.

Lembro que ainda não está disponível o documentário com legendas em português, mas o inglês do Dawkins está bem tranquilo de entender.

Parte 1 - Life, Darwin & Everything



Parte 2 - The Fifth Ape



Parte 3 - God Strikes Back

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Fotografia científica: Macrófitas aquáticas

Gostaria de comunicar a estréia no nosso blog de um espaço destinado a fotografia científica. Eu e o Breno publicaremos fotos que tenham uma temática científica, preferencialmente ecológica, no blog apartir de hoje. Tentaremos buscar fotografias de diferentes fontes como contato pessoal (como é o caso da fotografia de hoje), através de sites da internet, envio por nossos leitores, etc. A idéia é que além da foto em si, teremos uma pequena descrição da mesma, trazendo assim um contexto científico a imagem.

Aquatic macrophytes


A fotografia de hoje foi feita por quem escreve este post. Ela mostra de perto a realidade da região marginal de uma lagoa costeira tropical (Lagoa Cabiúnas, Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Região Nordeste do estado do Rio de Janeiro).

Podemos vizualisar em primeiro plano a inflorescência de cor branca da macrófita enraizada Nymphaea ampla L., conhecida em bom português como ninféia. Esta planta é caracterizada pelas largas folhas que se localizam no espelho d´água (não confundir com Victoria amazonica, a famosa Vitória-régia, que é da mesma família Nymphaeaceae). Podemos ver também mais ao fundo outra macrófita enraizada que normalmente é confundida com a ninféia, mesmo pertencendo a uma ordem diferente. Ela apresenta uma flor branca pequena e folhas acima do espelho d´água. Esta é a Nymphoides indica L.

A macrófita que aparece mais no primeiro plano e apresenta folhas pequenas e hidrofóbicas é Salvinia auriculata. Ela é uma macrófita flutuante muito abundante em toda a lagoa.

Por último mas não menos importante temos a macrófita aquática emersa do genêro Eleocharis. Ela apresenta grande parte de sua biomassa fotossintetisante fora da coluna d´água, sendo enraizada no sedimento.

Espero que este seja o primeiro de muitos posts com fotografias científicas.

PS.: Desculpem-me por sublinhar as espécies e gêneros citados neste post, mas preferi colocar link para outros sites que apresentam mais informações e fotos das macrófitas para quem quiser saber mais sobre o assunto.

Quanto mais quente pior

Na edição de 18 de setembro (7211) da revista Nature a matéria de capa é bastante preocupante.Um grupo de cientistas americanos publicou um artigo entitulado "Prolonged suppression of ecosystem carbon dioxide uptake after an anomalously warm year". Esses pesquisadores observaram que os efeitos de um ano com temperaturas elevadas pode afetar o quanto de CO2 é seqüestrado pelo ambientes terrestres neste ano e no ano seguinte. Em termos quatitativos, o potencial de seqüestro é 30% menor nos ambientes que foram expostos a maiores temperaturas.


No ano quente em questão, a produtividade primária é reduzida devido a seca causada pela altas temperaturas. Já no ano seguinte, existe uma alta estimulação da respirção bacteriana do solo. Estes dois fenômenos são responsáveis pela redução da capacidade de seqüestro dos ecossistemas terrestres em questão. Sendo necessário mais dois anos para que o o ecossistema volte ao seu estado normal.
Vale lembrar que este experimento foi feito em grandes câmaras de vidro (184 metros cúbicos) e com espécies comuns da pradaria americana. Deste modo, outros ecossistemas devem ser estudados para ver se apresentam o mesmo tipo de comportamento.
Entretanto, nada disso anularia a importância de uma descoberta como esta. Pelo contrário, somente confirma a importância do tema em questão. Fica de aviso para todos nós, quanto mais estudamos como nosso plantea reaje as mudanças climáticas atuais, mais deveríamos ficar preocupados!

domingo, 28 de setembro de 2008

Televisores LCD e o aquecimento global

Com o bom momento econômico em que o Brasil está, a venda de tv's LCD é cada dia maior. Esse eletrodoméstico se tornou um símbolo de status e sonho de consumo de muitos. Entretanto, existe um porém. A fabricação deste tipo de televisor utiliza um gás chamado trifluoreto de nitrogênio NF3. Esse gás é 17.ooo vezes (isso mesmo! 17 mil vezes) mais forte que o famoso CO2 no que diz respeito ao efeito estufa. Uma molécula desse gás equivale a 17.000 moléculas de gás carbônico.



Deste modo, com a demanda cada vez maior por tv's LCD e a demanda infinita de monitores de computador LCD, teremos que ter atenção com a utilização deste gás. O estudo da revista Geophysical Reaserch Letters diz que se todo o NF3 produzido no ano de 2008 fosse emitido para atmosfera, equivaleria a 67 milhões de toneladas de CO2 ou a emissão anual de um país como a Áustria.

Isto me lembra a histório dos CFC's e o buraco na camada de ozônio. Quando percebemos quem causava a destruição da indispensável camada, nosso cotidiano já estava impregnado com esse gás (desde tubos de desodorantes até geladeiras). Porém esse mesmo exemplo me dá esperanças. Pois, a substituição dos CFC's na industria é um dos exemplos mais positivos de comoção e ação mundial. Hoje em dia, somente a China continua usando esses tipos de gases.

A necessidade de estudos sobre esse gás é urgente. O NF3 não é levado em consideração pelo Protocolo de Kioto, fica aí o alerta!


Fonte: The Guardian, CNet News, The Press Association