sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Enigma de Sexta

Não. Você não errou de blog. Também sou biólogo mas sou carioca. Este não é mais um enigma de sexta do Atila. Na verdade a minha ideia está muito mais para pergunta do que para enigma. Então lá vai.

Quem era o naturalista a bordo do H.M.S. Beagle?

A resposta você encontra aqui.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Como NÃO ensinar seleção natural para seus alunos



Bem, depois de uma descrição tão distorcida do que é seleção natural, vamos por partes. O trecho acima fez parte do primeiro programa especial sobre Darwin (de um total de 4) que foi exibido na quarta-feira no canal a cabo GloboNews.

  • "A natureza é uma guerra(1) entre espécies(2)..."

(1) Não meu caro. Primeiro que a utilização do termo "guerra" leva a um erro clássico. É claro que a competição tem um papel muito importante na teoria de Darwin, mas cada vez mais vemos o relevante papel das interações positivas. Em um ambiente como o manguezal, o crescimento radial das raízes de plantas como a Laguncularia racemosa estabiliza o sedimento fino característico deste ecossistema. Desta forma, outras plantas podem agora ocupar a área, mais estável pela contenção do sedimento. É o que chamamos em ecologia de "espécies engenheiras", que alteram o ambiente a sua volta e não estão apenas submetidas as suas flutuações.

(2) Não. A luta pela existência (em termos darwinianos) ocorre entre indivíduos e não entre espécies. O histórico deste pensamento essencialista é muito bem retratado por Ernst Mayr em seu livro "Uma ampla discussão" (FUNPEC editora, 2006), onde ele discute este assunto em um trecho intitulado "Luta entre espécies ou entre indivíduos?". A unidade de seleção (onde realmente a seleção natural atua) é o indivíduo, já que a diferenciação das características "visíveis" pela seleção natural (fenótipo) ocorrem neste nível. Existe uma frente de cientistas que defendem o gene como a unidade de seleção. Segundo um de seus mais famosos defensores, Richard Dawkins, "(...) A unidade de seleção no sentido de replicador é o gene. E no sentido de veículo, o organismo. Ambas são igualmente importantes. Só fazem coisas diferentes. Não estão competindo pelo papel de unidade de seleção". Divergências a parte, a unidade de seleção definitivamente não é a espécie. Quando definimos que a unidade de seleção é o indivíduo abrimos os olhos para a competição intraespecífica, que pode ser tão ou até mais importante do que a competição interespecífica. Se pensarmos apenas em espécie, esquecemos este componente tão importante das interações.

  • "(...) e que as mais fortes e mais adaptáveis são as que sobrevivem"

Mesmos erros do início da frase. Passar a ideia que as espécies (e não indivíduos) são as unidades da seleção. Usar o termo "mais forte" associado a imagem de um leão atacando uma hiena é uma péssima maneira de se passar o conceito de seleção natural. Parece que somente os organismos que forem mais fortes fisicamente sobrevivem. Diga isso as bactérias e archeas. Elas vão rir muito. Outra coisa, o que significa uma "espécie adaptável"? Segundo o tio michaelis, algo adaptável é algo que pode ser adaptado, como um livro é adaptável para se tornar um roteiro de filme. A péssima analogia passa o conceito de que as espécies (segundo o jornalista) podem se adaptar, como se fosse algo direcionado. Na verdade os indivíduos já nascem com um fenótipo correspondente a um genótipo que pode ser ou não vantajoso em seu ambiente específico.

  • "(...) Quando as espécies se reproduzem fazem cópias de si próprias, nem sempre idênticas, pois ocorrem mutações ou desvios que criam variedade. Darwin chamou isso de seleção natural."

Tirando a definição que eu considero pessoalmente ruim de reprodução e mutação, podemos ver neste ponto que o jornalista se perdeu completamente. Será que eu estou sendo tendencioso ou ele disse Darwin chamou as mutações e os "desvios" de seleção natural? Como a geração de variedade pode vir depois do que ele chamou de "guerra"? Não há lógica nesta construção de frase. Primeiro devem ocorrer mutações para gerar variedade e, posteriormente, os indivíduos mais adaptados ao ambiente em que ele está inserido, sobreviverão e terão maior sucesso reprodutivo.

Depois dessa aula de como a divulgação científica não deve ser feita, nada melhor do que o grande biólogo Ernst Mayr para ensinar aos jornalistas da Globo o que realmente é seleção natural.

"(...) O termo, simplesmente, refere-se ao fato de que somente uma pequena parte da prole de um grupo de genitores sobrevive o suficiente para se reproduzir. Não há uma força seletiva particular na natureza, nem um agente seletivo definido. Há muitas causas possíveis para o sucesso de poucos sobreviventes. Alguma sobrevivência é devido a processos estocásticos, isto é, pura sorte. A maior parte, entretanto, é devido ao trabalho superior da fisiologia do indivíduo sobrevivente, que permite enfrentar as vicissitudes do ambiente melhor do que os outros membros da população. A seleção não pode ser dissecada em porções internas e externas. O que determina o sucesso de um indivíduo é precisamente a capacidade da maquinaria interna do organismo (incluindo o seu sistema imune) de enfrentar os desafios do ambiente. Não é o ambiente que seleciona, mas o organismo que enfrenta o ambiente com muito ou com pouco sucesso. Não há nenhuma força externa."
Uma Ampla Discussão. Ernst Mayr. FUNPEC editora, 2006. Páginas 86-87.

A importância dos ambientes aquáticos no ciclo do carbono amazônico

Durante muito tempo acreditou-se que a Amazônia fosse um sumidouro de carbono, isto é, com o crescimento da biomassa vegetal, grandes quantidades de carbono seriam estocadas. Como sabemos, durante a fotossíntese, gás carbônico é absorvido da atmosfera pelos vegetais. Entretanto, pesquisadores brasileiros estão em dúvida sobre o balanço de carbono da floresta.

A pesquisa foi realizada pelo Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, consórcio de pesquisadores de vários países, liderados pelo Brasil, que tem como objetivo "gerar novos conhecimentos, necessários à compreensão do funcionamento climatológico, ecológico, biogeoquímico e hidrológico da Amazônia, do impacto das mudanças dos usos da terra nesse funcionamento, e das interações entre a Amazônia e o sistema biogeofísico global da Terra". Este projeto engloba mais de trezentos cientistas de todo mundo. Renomados pesquisadores brasileiros como Luiz Antônio Martinelli, Carlos Nobre, José Antônio Marengo e outros fazem parte desta equipe. Em 2008, só como exemplo, este grupo publicou artigos nas revistas Science, Nature, Global Change Biology e Ecosystems, além de outras importantes publicações científicas. É um orgulho termos pesquisadores brasileiros na ponta da pesquisa científica mundial.

Voltando a quastão dos ambientes, a equipe do engenheiro agrônomo Reynaldo Victoria (USP) tem analisado a contribuição dos ambientes aquáticos no balanço de carbono da floresta. Pelas suas contas, estes ambientes emitem para atmosfera por volta de 470 milhões de toneladas de CO2 por ano para atmosfera. Isto é 1% do total de emissões globais de CO2 no ano de 2004. Calculando-se a quantidade por área, é aproximadamente 1,2 tonelada por hectare. Sendo assim, a floresta Amazônica pode ao invés de ser um sumidouro, ser uma fonte de CO2 para atmosfera.

O reflexo das plantas nos ambientes aquáticos é a matéria orgânica
liberada por elas (que poético, não?)


Mas por que esses ambientes aquáticos liberam CO2 para atmosfera? Basicamente, a matéria orgânica proveniente da vegetação da floresta (folhas, galhos, resto de animais, carbono orgânico dissolvido lixiviado, e outros) se acumulam nestes ambientes, pois a rede de rios é bastante densa dentro de toda a floresta. Além disso, através de ciclo de cheia e seca, a água avança sobre o ambiente terrestre captando ainda mais matéria orgânica. Deste modo, esta matéria orgânica serve como substrato para ação decompositora (o carbono orgânico dissolvido, basicamente, para as bactérias e o particulado para ouros organismos maiores). E como a produção primária nos rios é bastante pequena, o balanço geral fica negativo, isto é, os rios emitem CO2 para atmosfera. Em uma analogia, o rio funciona como se fosse um organismo heterotrófico, se o balanço fosse positivo, o rio funcionaria como um vegetal (absorveria CO2 da atmosfera).

Duvido que passe na cabeça de alguém de achar que a solução é acabar com a Amazônia. Esta floresta tem papel importantíssimo na regulação do clima de outras regiões do Brasil. Além de todo o potencial biotecnológico, aliás, se os grandes agricultores entendessem a riqueza deste potencial, parariam de destruir e lucrariam mais com a floresta em pé. Exportar soja e carne a toneladas, com certeza é menos lucrativo do que descobrir um composto ativo para a indústria farmacêutica. Mas isso é assunto para outros posts.

Fonte: Pesquisa Fapesp on line

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

1 tonelada de carbono por 15 dólares?


Este é o preço que as empresas da UE (União Européia) estão pagando agora em janeiro por cada tonelada de carbono extra emitida acima do teto de seu país de origem. A UE é de longe a maior bolsa de créditos de carbono do mundo, tendo negociado 5 bilhões de toneladas de carbono no último ano. Este preço por tonelada é o mais baixo da história e reflete de forma direta a baixa do preço de petróleo e gás no mercado internacional.



Preço por tonelada de carbono de CO2 equivalente (linha vermelha) e preço por barril de petróleo (linha azul). Fonte: Nature


Esta queda abrupta dos preços das chamadas "permissões" de emissão de gases de efeito estufa (do inglês, carbon allowance) deve-se a uma das regras fundamentais do mercado financeiro: diminuição da demanda gera diminuição do preço. Com a queda do preço do petróleo e gás no mercado internacional, as empresas que tem grande demanda de energia passaram a trocar a queima de carvão (muito importante na matriz energética européia) pela queima de gás natural, reduzindo a demanda por "permissões" de emissão.

Sendo assim, como todo mercado financeiro, abrimos uma brecha. Se você tem uma indústria de grande porte na Europa e não tem problema nenhum em usar uma tecnologia mais poluidora, a hora é essa! Aumente sua produção e compre "permissões" de emissão a preço de banana!

Hoje em dia os ambientalistas a grande mídia nos doutrina a diminuir nossa "pegada ecológica". Temos que ser vegetarianos devido a emissão de metano por vacas, viajar menos de avião pois eles são vilões do clima, usar lâmpadas mais eficientes, etc. Tudo em busca de alguns quilos de carbono a menos. Enquanto as grandes empresas emitem 1 tonelada a mais de carbono por 15 dólares. Não quero dizer que todos devemos consumir mais e não pensar sobre a contribuição pessoal de cada um. Mas devemos sim atacar os pilares do problema, de maneira mais efetiva e rápida.

Para entender melhor como funciona o mercado de carbono e as regras da compra e venda de crédito de carbono, clique aqui.
Para ler outros posts sobre aquecimento global, clique aqui.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Lenhadores da árvore da vida


Capa mais do que sensacionalista do tipo "Mordemos na capa e assopramos no artigo"



O título deste post é como a revista de divulgação científica americana NewScientist chamou os cientistas que trabalham com biologia evolutiva atualmente. Pela capa acima, nós esperamos um artigo revolucionário mostrando novos estudos que podem apresentar um novo caminho na teoria da evolução, novos mecanismos, novas ideias....bem, a esperança acaba por aí. Além de dar muito pano para a manga de criacionistas e os chamados "pós-darwinistas" (nunca entendi essa expressão), o artigo da NewScientist não trás nada denovo de novo.

Antes de começar a falar, ainda no editorial, a revista começa a pegar leve. Fala que a teoria darwiniana foi sim uma revolução, mas que eles esperam por outra revolução nos próximos anos, que ainda vamos comemorar o aniversário de 300 anos de Darwin, que nada que os estudos novos tragam vai diminuir o trabalho original, etc, etc. Além disso, ainda ressaltam que nada do que for trazido pela reportagem deve dar apoio aos criacionistas. Até parece que depois de uma capa dessa eles precisam falar alguma coisa. Já viraram hit nos sítios do ID. Na reportagem principal em si eles fazem apenas uma recapitulação de tudo que já vem sendo falado desde a década de 70 por Carl Woese.

A árvore desenhada por Charles Darwin em seu caderno de anotações B é um de seus principais pilares para a teoria da evolução. Esta árvore teria como base um ancestral comum, de onde toda a vida que existiu ou ainda existe no planeta teria derivado.



Árvore desenhada por Darwin. O número 1 seria o ancestral comum.


Já em 1998, mais de dez anos atrás, Woese publicou um artigo na PNAS em que ele defendia a ausência de um ancestral comum. Mas, como o seu artigo da década de 70 sobre os domínios da vida, ninguém deu muita bola. Porque ele defendia isso? Por causa da famigerada transferência horizontal, ora! Se os microorganismos trocam promiscuamente genes sem esses serem submetidos ao processo de seleção natural, não há motivo para termos um único ancestral comum. Então a árvore da vida estaria muito mais para uma "teia da vida" do que para uma árvore. Será que isso lembra alguma coisa? Antigamente usava-se muito o termo "cadeia alimentar". Mas hoje sabemos que a cadeia (que da a idéia de algo unilateral) está muito mais para uma teia. Por isso o termo "teia alimentar".



Teia trófica de um pinheiro, com os seus herbívoros, parasitas e parasitóides. Imagina de uma floresta inteira. Fonte: Canadian Forest Service


O artigo da NewScientist faz grande parte do seu estardalhaço nos artigos que estão saindo em periódicos mostrando transferência horizontal em organismos multicelulares, que já foram citados aqui no blog. Mostram até exemplos mais bizarros, como o genoma de uma vaca que tem pedaços de DNA de uma espécie de cobra que poderiam ter sido transferidos horizontalmente há mais de 50 milhões de anos atrás. Mesmo com todos esses exemplos, eles ainda ressaltam que vários autores ainda divergem sobre o assunto, defendendo que grande parte da diversidade pode ainda ser explicada por seleção natural e que a transferência horizontal é importante, mas não acabaria com a evolução darwiniana.

Polêmica ou não, acho que a discussão veio para ficar. Discordo um pouco de como o assunto foi colocado pela NewScientist. Na verdade, lendo o artigo, vemos que a capa deles foi muito mais para vender revista do que a tradução do conteúdo em si. A frase "lenhadores da árvore da vida" foi muito infeliz, pois passa a ideia que a ciência é construída através da desconstrução de teorias e conceitos anteriores. O conceito de evolução de Darwin foi construído no ombro de gigantes como Erasmus Darwin, Lamarck e Wallace. Desta forma, ainda acho que falaremos muito deles nos próximos séculos.