sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Recuperação na camada de gelo do Ártico em 2008

Se pensarmos só em números relativos, podemos dizer que sim. No mês de setembro deste ano foi registrado uma cobertura de 4,67 milhões de Km quadrados, 9% maior do que em Setembro de 2007, quando o gelo cobria uma área de 4,28 milhões de Km quadrados. Segundo pesquisadores do NSIDC (centro de pesquisa americano sobre neve e gelo), o ano de 2008 só não quebrou o recorde de 2007 devido a condições regionais que favoreceram a manutenção da camada de gelo. Estas condições seriam: temperaturas mais baixas que em 2007, mas ainda mais altas que a média; maior nebulosidade que protegeu o gelo do derretimento; um diferente padrão de ventos que espalhou parte do gelo, resultando em números mais elevados de cobertura. De forma simplificada, os pesquisadores registram que a variabilidade natural de padrões climáticos de curta escala de tempo evitou que um novo recorde de cobertura mínima fosse batido.

Pensando em uma escala temporal mais ampla, mesmo apresentando uma recuperação em 2008, a cobertura de gelo no ártico ainda está bem abaixo da média. Desde que as medidas por imagens de satélite começaram a ser feitas em 1979, a cobertura de gelo no ártico apresentou o segundo recorde negativo no ano de 2008, perdendo apenas para 2007. Estes resultados são bem representados no gráfico abaixo.


Clique no gráfico para ampliar. Fonte: NSIDC

Outra medida importante da quantidade de gelo no ártico é a espessura. A recuperação da extensão da camada em 2008 ocorreu principalmente pelos chamados "gelos recentes", mais finos que os mais antigos. O gráfico abaixo mostra o aumento da cobertura da camada de gelo mais nova (em vermelho) e uma diminuição da camada de gelo mais antiga (em amarelo).


Clique no gráfico para ampliar. Fonte: NSIDC


Colocando as medidas feitas todos os anos desde 1979 em um mesmo gráfico, temos uma forte tendência de queda na extensão da camada de gelo no ártico.


Clique no gráfico para ampliar. Fonte: NSIDC


Mesmo sendo contra a utilização de forma sensacionalista do ártico como símbolo do aquecimento global, acho que o padrão de diminuição da cobertura da camada de gelo é significativo. Sendo causado ou não pelo aumento antrópico de gases estufa na atmosfera como é discutido por céticos climáticos, acho que pegar a recuperação na extensão de gelo em 2008 como se fosse um argumento forte de que o aquecimento global não existe é forçar um pouco a barra. Como sempre em ecologia, olhar tendências em maior escala de tempo nos mostra padrões que olhando apenas uma variação entre meses ou anos podem esconder.

Mais sobre este assunto em uma reportagem da Nature e em um comunicado oficial do NSIDC.


Update
(17/10/08 - 19:23)

Registrado aumento de temperatura recorde no ártico


No relatório anual do ártico feito por pesquisadores do orgão americano NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) foi registrado um aumento recorde de 5 graus celsius acima da média nesta região. A justificativa deste aumento deve-se a maior perda da cobertura de gelo nos últimos dois anos, que facilitou a maior penetração de calor do sol no oceano. O ano de 2007 foi considerado o mais quente desde a década de 1960, quando se iniciaram as mensurações. Mais informações neste comunicado oficial do NOAA.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ver Ciência 2008




Para quem não conhece, as mostras do Projeto VerCiência já ocorrem em várias partes do Brasil desde 1994. Segundo o site oficial , "O projeto tem como missão 'promover e incentivar a disseminação do conhecimento e da cultura científica pela televisão'. Os programas de TV de diversos países – em sua maioria inéditos no Brasil – selecionados para as mostras anuais itinerantes são exemplos de como a ciência e a tecnologia podem ser apresentadas de forma compreensível, atraente e até como entretenimento cultural de qualidade".

O tema deste décimo quarto ano do projeto é "Evolução e Diversidade", então vídeos da grande área das ciências biológicas foram os mais contemplados. O catálogo completo deste ano pode ser visto aqui. As cidades contempladas por este evento são Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, mas o projeto alcançará todo o brasil devido a sua participação na Semana Nacional de Ciência e tecnologia.

Para ver a programação da mostra em cada cidade, veja os links abaixo:

CCBB Brasília (21 de outubro a 2 de novembro)
CCBB Rio (20 de outubro a 9 de novembro)
Estação Ciência (SP) (20 a 26 de outubro)
Catavento (SP) (20 a 26 de outubro)

Para quem é do Rio, outro lugar que também estará exibindo parte da mostra é o Centro de Tecnologia (CT), na ilha do fundão. O evento ocorrerá no Salão Nobre da Decania do CT, 2º andar do Bloco A, localizado na av. Athos da Silveira Ramos, 149, Cidade Universitária. Mais informações aqui. Segue abaixo a programação:

SELEÇÃO WGBH (11h) PROGRAMAS DE 60 min

• Dia 20/10 - EVOLUÇÃO-1: A REVOLUCIONÁRIA IDÉIA DE DARWIN (partes 1 e 2)
• Dia 21/10 - EVOLUÇÃO-2: GRANDES TRANSFORMAÇÕES
• Dia 22/10 - EVOLUÇÃO-3: EXTINÇÃO
• Dia 23/10 - EVOLUÇÃO-4: POR QUE SEXO?
• Dia 24/10 - EVOLUÇÃO-5: AS ORIGENS DA MENTE HUMANA (excepcionalmente às 12h)

SELEÇÃO BBC (12h) PROGRAMAS DE 50 min

• Dia 27/10 GRANDES BRITÂNICOS: DARWIN
• Dia 28/10 A VIAGEM DO BEAGLE
•Dia 29/10 A ENERGIA É A CHAVE
ORF – Áustria, 45 min (Este último faz parte da seleção de Programas internacionais).

Periódicos como Nature e Science não publicam os melhores trabalhos científicos

A afirmação do título deste post foi feita pelo epidemiologista grego John Ioannidis e seus colaboradores em um artigo publicado no periódico on-line PLoS Medicine. Segundo o autor, a atitude de rejeitar grande parte dos trabalhos em busca de uma maior qualidade pode acabar levando ao oposto, a publicação de trabalhos incorretos. Em um levantamento feito em 49 artigos de revistas de grande prestígio internacional que foram citados mais de 1000 vezes por outros autores, John Ioannidis argumenta que aproximadamente um terço deles foram refutados por outros estudos.

Abaixo um trecho da reportagem da revista The Economist que trata deste assunto:

Publish and be wrong
One group of researchers thinks headline-grabbing scientific reports are the most likely to turn out to be wrong

IN ECONOMIC theory the winner’s curse refers to the idea that someone who places the winning bid in an auction may have paid too much. Consider, for example, bids to develop an oil field. Most of the offers are likely to cluster around the true value of the resource, so the highest bidder probably paid too much.

The same thing may be happening in scientific publishing, according to a new analysis. With so many scientific papers chasing so few pages in the most prestigious journals, the winners could be the ones most likely to oversell themselves—to trumpet dramatic or important results that later turn out to be false. This would produce a distorted picture of scientific knowledge, with less dramatic (but more accurate) results either relegated to obscure journals or left unpublished (...)


Leia a reportagem completa diretamente no site da revista.

O artigo original de John Ioannidis pode ser encontrado aqui.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Bonobo e seu instinto assassino

Na minha pequena biblioteca, tenho um lugar especial para o livro "Eu, primata". Esse livro mostra como são organizadas as sociedades de Chimpanzés e Bonobos. Ótima leitura para fazer paralelos entre nossa sociedade e a deles. Alianças pelo poder, dissimulação, memória e sexo são temas discutidos nesse livro. Recomendo para quem gosta de saber o quanto somos parecidos como esses animais.

Bonobo relaxando entre uma cópula e outra. Fonte: ScienceNews


Os Bonobos são usados como exemplos de sociedade pacífica, onde a fêmea é a lider. Esses primatas passam muito tempo fazendo sexo e carinho nos seus compaheiros. Casos de carícias sexuais como artifício de pedidos de perdão depois de pequenas brigas são bastante comuns. Mesmo em Bonobos do mesmo sexo. Diferente dos Chimpanzés, onde a sociedade é dominada por machos e a tensão da perda do poder é sempre alta. Um macho dominante impõe pela força o seu direito de copular com as fêmeas do seu arém. Os Bonobos são considerados os hippies dos primatas.

Os Chimpanzés são conhecidamente caçadores bastante astutos, utilizam complexas estratégias de caça. Eles são capazes de se alimentar de outros pequenos macacos. Já os Bonobos são mais calmos e se alimentam basicamente de frutas e outros vegetais. Entretanto, em um artigo no último volume da revista Current Ecology, Hohmann e sua equipe observaram Bonobos caçando outros pequenos macacos, usando estratégias bem parecidas com as dos Chimpanzés.

"Isto mostra que os bonobos possuem caçadas coordenadas, o que era somente observado nos Chimpanzés"
Frans de Wall (autor de "Eu, primata")


Diferente dos Chimpanzés, as caçadas dos Bonobos são realizadas basicamente pelas fêmeas. Isto demonstra uma perda da agressividade dos Bonobos machos, possivelmente pelo tipo de estrutura comunitária exibida por estes primatas. Deste modo, as fêmeas dividem a carne da caça e controlam a freqüência com que os machos caçam.

O paralelo mais importante que fiz ao ler um pouco sobre os Bonobos é que a sociedade deles dominada pelas fêmeas é mais tranqüila que a dos Chimpanzés (dominadas por machos). Os Chimpanzés machos gastam muito tempo da vida deles brigando pela liderança e pelo direito de copular, mais do que copulando de fato. Já os Bonobos machos deixam a disputa da liderança paras as fêmeas e copulam mais vezes. Interessante essa estratégia, né?! (rs)


Fonte: Science News

terça-feira, 14 de outubro de 2008

I Carnaval científico: O terceiro domínio da vida

"Vivemos agora na 'Idade da Bactéria'. Nosso planeta sempre esteve na 'Idade da Bactéria', desde que mesmo os primeiros fósseis - de bactérias, é lógico - ficaram enclausurados nas rochas há mais de três bilhões e meio de anos."
Stephen Jay Gould (1996)
Lance de Dados (pág. 241). Editora Record


Mais de 10 anos se passaram desde que Gould escreveu esta frase em um dos seus marcantes livros de divulgação científica e parece que grande parte da população humana (incluindo biólogos) ainda não despertou para o tema. Nós somos apenas um mísero galho de uma grande e robusta árvore formada em grande parte pela vasta diversidade microbiana. E é sobre isso que este post irá tratar.

Todos nós aprendemos no colégio (até hoje em dia, inclusive) que a vida pode ser dividida (artificialmente, por nós humanos) em cinco reinos. Esta divisão clássica em Monera, Protista, Plantae, Fungi e Animalia vigorou por décadas, desde trabalhos publicados por Wittacker em 1969. Vemos nesta figura a clara visão do "paradigma de progresso", expressão muito utilizada por Gould. Grande parte dos microorganismos se concentram na base e os animais se posicionam como os mais evoluídos, no topo.



Divisão clássica da vida em cinco reinos


Em 1977, o microbiólogo americano Carl Richard Woese coloca pela primeira vez a divisão clássica dos cinco reinos em xeque. Através de análises de seqüências de RNA ribossomal, Woese mostra em um artigo na PNAS que há uma grande diferenciação dentro do grupo dos organismos chamados procariotos. Ele propõe uma divisão dentro deste domínio em eubactérias (bactérias verdadeiras) e archaebactérias (bactérias que normalmente vivem em ambientes extremos). Já em 1990, o mesmo autor refina sua divisão em outro artigo na mesma PNAS, propondo o que conhecemos hoje como os três domínios da vida (Eubacteria, Archea e Eucarya), sendo Archea o chamado "Terceiro domínio da vida". Neste artigo, Woese ressalta que a diferença entre os domínios Eubacteria e Archea é maior que a diferença entre os clássicos reinos Animalia e Fungi. Desta forma, nós Seres humanos somos mais parecidos geneticamente com fungos do que microorganismos dos domínios eubacteria e Archea. Podemos perceber que o que Woese propôs em 1990 estáva muito a frente do "consenso científico". Enquanto taxonomistas passam a vida toda tentando organizar ordens ou gêneros, Woese propôs um táxon acima de "Reino", alterando de forma marcante nossa visão da vida em nosso planeta.



Figura original do artigo de 1990 de Woese na PNAS


É claro que um artigo deste porte não poderia passar despercebido pela comunidade científica, ainda mais sendo publicada em um dos periódicos científicos mais importantes do mundo. Como tudo na ciência, quebras de paradigmas são processores difícies e muitas vezes bem longos. A grande descoberta de Woese foi tradada como loucura, non-sense, besteira, dentre outros nomes. Cientistas renomados do mundo todo se recusaram a aceitar esta descoberta como relevante, fazendo pouco caso da mesma. Uma destas vozes foi o grande ecólogo Ernst Mayr, que defendeu a utilização de apenas duas grandes divisões (Procariotos-Eucariotos) em detrimento da divisão em três domínios de Woese. A resposta de Woese foi feita em um artigo de 1998 também na PNAS, em que ele termina com as seguintes conclusões (tradução livre):


"(...) A biologia do Dr. Mayr reflete os últimos bilhões de anos da evolução; a minha os primeiros três bilhões. Sua biologia é centrada em organismos multicelulares e suas evoluções; minha em um ancestral universal e seus descendentes imediatos. Sua é a biologia de experiência visual, de observação direta. Minha não pode ser vista diretamente ou tocada; é a biologia das moléculas, dos genes e suas histórias inferidas. Para mim, evolução é primariamente o processo evolutivo, não as suas conseqüências. A ciência da biologia é bem diferente nestas duas perspectivas, e seu futuro ainda mais."
Carl Woese



Atualmente, o foco de Woese está voltado para a discussão do "Ancestral único". Depois de tanta discussão gerada pelo seu artigo de 1990, outro artigo publicado em 1998 não fica para trás. Woese mais uma vez arranja uma bela briga com os ecólogos mais tradicionais, defendendo a visão de que nunca existiu um ancestral único discreto, mas sim vários organismos que deram origem aos outros dos três grandes domínios. Mais recentemente Woese discutiu na revista nature como processos comuns em microorganismos como a transferência lateral de genes podem alterar grande parte dos mais importantes conceitos biológicos, como organismo, espécie e até da evolução. Esta transferência lateral de genes pode ser a responsável por um mecanismo que o próprio Woese defendeu em um artigo de 2006, chamado "Evolução coletiva".

Em 2003 Woese ganhou o prêmio Crafoord, entregue pela mesma acedemia sueca responsável pelo prêmio nobel. O prêmio Crafoord é entregue a cientistas que tiveram trabalhos relevantes em outras áreas que não são contempladas pelo Nobel. Mais de 30 anos depois do primeiro artigo de Woese, a divisão da vida em três domínios passa a ser representativa em livros didáticos. Talvez daqui a algumas décadas com a adoção em larga escala deste conceito em livros básicos, nós Seres humanos poderemos realmente entender o que Gould quis dizer com a expressão "Idade das bactérias". E que nós somos apenas um galho recém nascido na grande árvore da vida.


Mais sobre a vida de Carl Woese
Carl Woese: from scientific dissident to textbook orthodoxy

Outros artigos interessantes deste cientista:

Interpreting the universal phylogenetic tree
Microbiology in transition
On the nature of global classification


Este post faz parte da ótima iniciativa do Lablogatórios, o I Carnaval Científico.

domingo, 12 de outubro de 2008

Fotografia científica: Tartaruga punk


Foto: Chris Van Wyk. Fonte: Daily Mail


A tartaruga flagrada pelo fotógrafo amador australiano Chris Van Wyk durante um mergulho no rio Mary (Austrália) ficou famosa em sites do mundo todo no final do último mês. Elusor macrurus é uma tartaruga endêmica deste rio australiano e é classificada como ameaçada de extinção pelo governo deste país. Devido a uma forte pressão sofrida por esta espécie provocada pela comercialização de exemplares em pet shops, sua população apresentou um decréscimo de até 95 % nas últimas décadas. Ela se alimenta principalmente de macrófitas aquáticas, que representam cerca de 79 % de sua dieta e pode chegar a até 42 cm de comprimento. Outra característica interessante é que esta espécie tem um cauda relativamente grande para uma tartaruga, que representa muitas vezes até dois terçoes do seu casco.

Podemos ver na foto que a tartaruga do rio Mary não está sozinha. Algas verdes encontraram um ótimo habit e passaram a colonizar o topo da cabeça deste animal. Vemos aqui um exemplo da interação ecológica chamada de inquilinismo, onde há benefício apenas a uma das espécies envolvidas na interação. Neste caso, apenas as algas são beneficiadas por necessitarem de um substrato, já para tartaruga é indiferente. Um caso clássico de inquilinismo é representado pela utilização de árvores como substrato por espécies de bromélia.

Mais informações sobre Elusor macrurus em um site bem completo do governo australiano.
Conheci esta inusitada figura no ótimo blog de humor Caixa Preta.

Para ver mais fotografias científicas, clique aqui.